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segunda-feira, 18 de junho de 2018

O Braille aliado à tecnologia.

Semana passada escrevi sobre cardápios em Braille e alguns de vocês perguntaram: Braille, pra quê? Se temos tantas tecnologias hoje em dia?
É natural. Quando surge algo novo, muita gente costuma achar que o antigo deve ser extinto ou substituído. Só que nem sempre deve ser assim!
O Braille, por exemplo,pode ser integrado à tecnologia e complementá-la. Vejamos alguns exemplos.

No Elevador:
Você já deve ter visto, em boa parte dos elevadores, que há pontos em relevo ao lado de cada botão. São os números dos andares escritos em Braille. Há também identificação no botão de alarme, de abertura e de fechamento da porta. Antes do Braille, a pessoa cega talvez precisasse contar os botões para saber em qual apertar, ou pedir ajuda a alguém.
Você também já deve ter visto que alguns elevadores são falantes. Isso é ótimo! Todos eles deveriam ter este recurso, afinal, caso a pessoa esteja sozinha, é importante saber em que andar está passando e se ele está subindo ou descendo. Porém, se o elevador falar e não tiver Braille ao lado dos botões, pode ficar difícil para ela saber qual deve pressionar.

No Celular:
Já contei aqui sobre um recurso do iPhone chamado Braille na Tela. Antes dele os usuários digitavam catando as letras no teclado. Era preciso passar o dedo pelas linhas até chegar à letra desejada e só então retirar o dedo. Imagina você ter que escrever uma palavra grande utilizando esse método! Cansativo, não é? Por isso muitas pessoas preferiam enviar mensagem de áudio ou usar o ditado. Só que o ditado nem sempre entende o que a gente dita e frequentemente é necessário corrigir uma ou outra palavra. Eis que surge o Braille na tela e o celular se transforma em uma máquina braille. Funciona assim: você segura nas extremidades do aparelho, com a tela apontada para frente. Nessa posição, os dedos indicador, médio e anelar de cada mão estão posicionados na tela. Cada dedo é responsável por um ponto Braille. (Com seis pontos é possível fazer cerca de 60 caracteres.) Caso queira fazer a letra "l", por exemplo, sabendo que o "l" é feito com os pontos 1, 2 e 3, basta dar um leve toque com os três dedos da mão esquerda. Assim, fica muito rápido escrever qualquer texto no aparelho. Não fica cansativo, não gasta com papel e quando você clica em "enviar", o conteúdo é enviado normalmente. Esse recurso serve apenas para facilitar a sua escrita e dar agilidade.
Os celulares com sistema Android também possuem apps similares ao Braille na Tela.

No Computador:
Algo semelhante acontece com a escrita de partituras. Um músico cego, por exemplo, pode utilizar o computador para escrever, utilizando o código Braille. Existem editores que são acessíveis e permitem que o usuário não apenas escreva, mas também leia, imprima ou reproduza a partitura. Poder ouvir as notas de uma música é muito útil durante os estudos!
O computador também é um forte aliado na hora de preparar materiais pedagógicos: livros, revistas, desenhos que depois serão impressos em impressoras Braille. Existem programas como o "Braille Fácil" que auxiliam nesses processos.

Com isso não pretendo esgotar o assunto, mas demonstrar que em alguns aspectos o Braille e a tecnologia podem andar juntos e beneficiar muitas pessoas. É importante conhecer e usar as ferramentas de acordo com a nossa necessidade, a fim de aproveitar o que há de melhor em cada uma.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Tem cardápio em Braille?

Essa pergunta virou rotina sempre que vou a um restaurante ou lanchonete. Minha ida mais recente foi sexta à noite, em um local que fica na parte alta de Maceió. Entrei, subi as escadas e me sentei confortavelmente à mesa. Eu já sabia de cor o meu pedido. Entretanto, mal o garçom apareceu...
-Boa noite, tem cardápio em Braille?
Ele disse que sim e foi buscar um caderno enorme! Com dezenas de páginas frente e verso. Já fui ao mesmo restaurante algumas vezes, mas aquela era a primeira que eu tinha a oportunidade de explorar o cardápio. Fiquei boa parte do tempo folheando. Li um pouco da história de lá, contada de um modo bem informal como se estivéssemos em uma conversa entre amigos. Depois, passei pelas entradas, pelas diversas opções de pratos, sobremesas e bebidas. Descobri um monte de pratos que eu sequer sabia que eram servidos lá! Quando devolvi o cardápio, sugeri a inclusão de um sumário para facilitar a busca. Afinal são muitas páginas e é importante que a pessoa cega tenha a mesma agilidade de quem enxerga, na hora de olhar o cardápio para fazer o pedido.

Histórias como essa tem se repetido com uma certa frequência. Isso porque de uns anos pra cá eu tenho encontrado com mais facilidade os cardápios em Braille nos estabelecimentos de Maceió. Uns estão mais completos, outros menos. Dentre estes, alguns são lamentáveis. Deu pra sentir que foram feitos apenas para o restaurante não ser multado. Sabe quando você pensa: “Ninguém vai ler isso mesmo!” E faz de qualquer jeito? Já li cardápio com apenas uma página e com dezenas; com preço e sem preço. Há os que cumpriram o objetivo e os que só serviram pra ocupar espaço na mesa.

Mas estamos muito longe dos 100%! Ainda há vários estabelecimentos sem o cardápio. Quando me dizem que infelizmente não tem, costumo falar sobre a importância do cardápio acessível. Aí o dono / gerente vem falar comigo para pedir desculpas e explicar que ainda estão providenciando ou que é a primeira vez que uma pessoa cega chega por lá. Geralmente pede meu contato. Eu sempre acho que alguém irá ligar, dizendo: “olha, precisamos da sua ajuda para produzir o nosso cardápio”. Ou: “Nossa lanchonete agora tem cardápio em Braille. Venha conhecer!” Mas... nunca tive retorno.

É lamentável perceber que em muitos casos a intenção é apenas cumprir uma obrigatoriedade, a Lei Ordinária 6.198 (27/09/2000) e as demais leis estaduais. Parece que alguns empresários não enxergam o valor agregado que a acessibilidade proporciona ao estabelecimento. Não veem que um simples gesto como o de oferecer um cardápio em Braille faz com que as pessoas cegas fiquem felizes por recebê-lo na mesa e ler com autonomia, como fazem os demais frequentadores. Isso gera divulgação. Gera uma experiência diferenciada e inesquecível. Certamente o número de cardápios em Braille aumentará, quanto maior for a fiscalização e o número de cegos leitores de Braille que o solicitarem nos bares, restaurantes, lanchonetes da capital ou do interior.

Claro que há alternativas! Graças à tecnologia, há locais que disponibilizam os cardápios em formato digital no site ou em aplicativos de pedidos de comida. Isso requer que o cliente esteja com acesso à Internet e saiba utilizar o celular com relativa facilidade para usufruir das vantagens dos aplicativos. Também é possível conhecer o conteúdo do cardápio digitalizando com o celular, embora não fique sempre perfeito. É importante que os clientes tenham opções. Para mim, o Braille é o que mais me aproxima da igualdade de condições com os demais. Isso, porém, é uma questão de escolha. Seja em Braille, seja no formato digital, é imprescindível que haja autonomia na hora de consultar as informações.