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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Escola - a luta pela acessibilidade.

A Internet não era tão popular como hoje; não havia Whatsapp; ninguém utilizava computador em sala de aula; não havia tantos audiolivros e livros digitais; as pesquisas eram feitas em enciclopédias, jornais e revistas; os estudantes confeccionavam cartazes e maquetes com desenhos, colagens ou pinturas; não se falava em audiodescrição; os livros didáticos e paradidáticos eram, aos meus olhos, centenas de folhas em branco. Nesse contexto de inacessibilidades, muitas pessoas começaram e concluíram seus estudos com o apoio da família, da equipe pedagógica e dos colegas de classe.

Cada caso é um caso porque cada aluno com deficiência tem suas particularidades. Porém, há estratégias que até hoje podem ser aplicadas para quem tem deficiência visual. Atualmente, com a tecnologia, a vida está bem mais fácil! Mas durante o meu período escolar foi necessário utilizar várias ferramentas para driblar todas essas inacessibilidades.

Eu me sentia com muita autonomia quando os professores ditavam os conteúdos a medida que iam copiando na lousa, pois assim eu poderia escrever em Braille enquanto todos copiavam em seus cadernos. Quando isso não acontecia, frequentemente um colega se oferecia para ditar. Claro que eu aceitava a gentileza! Era muito útil ter o auxílio deles nessa hora porque eu poderia interagir e estreitar os laços de amizade.

Houve também momentos em que os professores adaptavam materiais em relevo para que eu pudesse acompanhar os assuntos ao mesmo tempo que os demais. Lembro de utilizar uma bola para estudar sobre o planeta Terra, de usar canudos, lã e palito de churrasco para estudar gráficos e ângulos. Lembro de algumas aulas de arte que se tornaram bastante divertidas porque a professora adaptou materiais para que eu pudesse fazer desenhos abstratos com tela, linha e agulha sem ponta. Outro destaque das aulas de artes foi uma professora que me ajudava a desenhar. Eu escolhia o que queria fazer (o sol, o céu, o mar, as árvores)... ela segurava em minha mão e me ensinava. Eu não podia ver os desenhos prontos porque não tinha relevo, mas isso não importava. O importante era fazer e mostrar minha "obra de arte" pra todo mundo.

Tudo isso não seria possível se não fosse o apoio familiar. Minha mãe, por exemplo, passava madrugadas lendo os livros didáticos e gravando para que eu pudesse ouvir no dia seguinte. Meus melhores amigos no colégio também gravavam. Já meu pai, lia os livros paradidáticos para que eu pudesse ir bem nas aulas de literatura. Se não fosse esse auxílio da família e dos amigos, meu aprendizado seria incompleto e eu não teria autonomia para estudar.

A luta pela acessibilidade e pela igualdade de condições sempre existiu. Isso porque quando uma pessoa com deficiência ocupa seu lugar na turma, todos precisam se adaptar para que a convivência e o aprendizado aconteçam sem muitas dificuldades e da forma mais natural possível. No final, todos vão além do que é ensinado em sala de aula. As pessoas sem deficiência podem aprender a lidar com as diferenças, a valorizar mais os estudos e os materiais escolares disponíveis, além de descobrir que há maneiras diferentes de fazer as mesmas coisas. Já as pessoas com deficiência podem aprender estratégias para ultrapassar determinados obstáculos e assim se fortalecem para enfrentar as próximas lutas.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Escola - uma saga que deu certo!

Eu poderia ter ido estudar em uma escola só para deficientes visuais, com acessibilidade para ir e vir, com materiais didáticos em Braille. No entanto, minha família enxergou além e percebeu que o melhor era encarar a realidade: partir para uma escola regular, cheia de alunos que enxergam. Afinal, por mais que eu tivesse atendimento especializado, precisaria conviver com o mundo lá fora. Com isso não quero dizer que o atendimento especializado é ruim. Cada pessoa, de acordo com a sua necessidade, faz a sua escolha! Mas o fato é que em algum momento da vida será necessário sair do quadrado perfeito e enfrentar os obstáculos. A vida acadêmica e laboral, por exemplo, geralmente é cheia de inacessibilidades e desafios.

Vivemos em um mundo formado por uma diversidade de pessoas. Tem inacessibilidade, tem preconceito, tem exclusão. Se hoje ainda é assim, imagine no fim da década de 80, quando eram poucas as pessoas com deficiência em Alagoas que conseguiam garantir seu espaço nos bancos escolares. Prova disso foi a dificuldade imensa da minha família ao chegar nas escolas para fazer a matrícula. Ao explicar que a aluna seria uma criança cega, davam sempre a mesma resposta: "Desculpe, não aceitamos crianças cegas aqui porque infelizmente não temos experiência, nem materiais ou adaptações". Não adiantava insistir, não havia boa vontade nem sequer para tentar. Isso não aconteceu só em uma ou duas escolas, mas em várias!

Depois de muitas tentativas, um estabelecimento nos abriu as portas. Era uma escola pequena, que acolheu não só a mim, mas vários estudantes com deficiência auditiva ou com Síndrome de Down. Passei os oito primeiros anos lá. A escola não era especializada. Porém, havia o principal: boa vontade do corpo docente e dos coordenadores. Parte da equipe aprendeu o Braille para me auxiliar da melhor maneira durante o período de alfabetização. Eu não tinha materiais didáticos em Braille, mas tinha professores dedicados que liam os conteúdos para mim. Ensinavam tudo e eu era cobrada nas atividades escolares da mesma forma que os demais alunos. No contra-turno eu frequentava a escola especializada para aulas de reforço.

Lá eu também participava de aulas de dança, teatro e educação física. Lembro com muito carinho do professor, que proporcionou as melhores aulas de educação física que já tive! Ele mostrou que não é preciso mover montanhas para adaptar todas as atividades, de maneira que eu também pudesse participar. Era sempre a minha dupla. Corríamos junto com a turma, brincávamos de bola, de cabo de guerra e tudo o mais que ele inventasse. Eu nunca me senti excluída. Pelo contrário, essas aulas passaram a ser as melhores! Hoje, se me perguntam se a educação física pode ser acessível, eu digo que sim! Porque ele me ensinou isso.

Sou grata a todos que contribuíram com o início da minha vida escolar. Aprendi que no mundo de inacessibilidade, exclusão e preconceito, há também muita gente disposta a oferecer o seu melhor em prol do nosso desenvolvimento.
Sigamos em frente com alegria e confiança em um mundo cada vez melhor!