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terça-feira, 5 de julho de 2016

Cinema - antes da áudio-descrição.

Algumas pessoas me perguntaram como era antes do Movie Reading, então decidi explorar mais um pouco o assunto.
Como falei no post anterior, nem todos os filmes estão áudio-descritos, então a situação abaixo ainda acontece muito!

Temos um público: pessoas que gostam de filme.
Temos um contexto: a garota vai ao cinema com o pai. No filme há cenas silenciosas. O pai começa a descrever, em voz baixa, o que vê.
Temos confusão: mesmo baixo, o ruído incomoda algumas pessoas nas poltronas vizinhas. Uns pedem silêncio, outros olham chateados. O pai aponta para a filha e diz que precisa descrever, porque ela não enxerga. Alguns entendem e se desculpam.

A cena acima é fictícia, mas algo parecido acontece muitas vezes quando uma pessoa cega vai ao cinema. Conheço cegos que preferem nem ir para não incomodar ninguém com o mínimo de barulho. Outros não vão porque não tem ninguém que possa descrever as cenas pra eles e por isso ficam sem entender alguns trechos. De fato, é comum acontecer de perdermos informações importantes por não haver áudio-descrição.

Sempre tive o apoio da minha família e amigos para descrever filmes para mim.
Na infância, geralmente quem descrevia as cenas era minha mãe. Eu assisti "O Rei Leão", filmes da Xuxa, filmes com o Renato Aragão... Tudo que uma criança da época gostava. Meu pai também sempre descreveu e leu as legendas dos filmes, mas ele preferia fazer "cinema em casa".
Na adolescência e até hoje, conto também com o apoio das minhas irmãs. Sento no meio delas para que eu possa me aproveitar da áudio-descrição de mais de uma pessoa.
Quando vou ao cinema com amigos, alguém descreve para mim. Caso isso alguma vez não aconteça, eu começo a perguntar. Afinal amigo é pra essas coisas!

Também já vi filmes inacessíveis acompanhada de outros cegos. O primeiro foi "Chico Xavier, o filme". Assisti duas vezes: uma com a minha mãe, que descreveu as cenas para mim. Outra com uma amiga, que também não enxerga. Aí eu fiz a descrição das cenas para ela. Foi ótimo! Um excelente jogo de memória. Parecia até que eu estava enxergando.
Atualmente esse filme já foi áudio-descrito.
Outro dia, fui com o meu esposo. Fomos assistir "de pernas pro ar". Uma das cenas era silenciosa, com uma música suave. Pelo contexto era romântica. O casal protagonista estava no maior clima de amor. Então perguntei ao meu esposo: "será que agora foi o beijo?" De repente, uma criança, que também estava vendo o filme, gritou: "beijooou!" Rimos bastante porque parecia que ela tinha ouvido minha pergunta. Muito engraçado, a gente dando gargalhada em uma cena de beijo.

Como deu pra perceber, eu nunca deixo de ir ao cinema porque alguém pode reclamar disso ou daquilo, ou porque o filme está sem áudio-descrição. A diferença é que agora, com o Movie Reading, eu tenho vontade de assistir tudo que é lançado pelo aplicativo só pra desfrutar da sensação de ver algo com total autonomia, como se eu estivesse enxergando a tela.
No entanto, contar com a ajuda das pessoas para descrever, também é muito divertido! Apesar de algumas desvantagens
a pessoa que descreve fica tão empolgada com o que está vendo e quando há uma cena engraçada ela começa a rir, não consegue descrever e a gente fica sem entender qual a piada.
Ou então: tem gente que tem dificuldade para ler legendas e descrever as imagens ao mesmo tempo. Isso dificulta porque a pessoa, às vezes, fica um pouco apreensiva por não conseguir explicar tudo. Nesse caso eu opto por ouvir as legendas.
Mas até as desvantagens são oportunidades para a descontração e o aprendizado!
Em fim: é bom ter possibilidades de escolha! Fico feliz por viver em uma época que me permite experimentar tantas coisas interessantes e aprender com todas elas!

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